sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A minha primeira memória de… um jogo entre Portugal e França (ou... o primeiro grande desgosto que o futebol me deu)

Figo e Zidane, os craques das seleções de Portugal e França
Recordar o primeiro jogo entre Portugal e França de que tenho memória é como lembrar o primeiro grande desgosto que o futebol me deu, a 28 de junho de 2000. Naquela altura, eu estava finalmente a apaixonar-me por futebol, aos oito anos, numa altura em que se disputava o Campeonato da Europa. Ouvia falar muito de Luís Figo, que era um dos melhores do mundo, e não fazia ideia que a equipa das quinas não estava habituada a fases finais de grandes competições, nem tampouco que os gauleses eram campeões mundiais. E também não tinha noção de quem eram e onde jogavam grande parte dos jogadores das outras seleções.


O que eu sabia era que tinha uma fé inabalável na seleção nacional, que na minha ingenuidade aparentava ter uma aura de invencibilidade. Compreendam: na fase de grupos Portugal esteve a perder por dois golos com Inglaterra, mas ganhou por 3-2; bateu a Roménia com um golo de Costinha nos instantes finais; e vulgarizou a Alemanha com recurso aos suplentes, entre os quais Sérgio Conceição, que apontou um hat trick. E nos quartos de final venceu a Turquia com um cómodo 2-0.

Quando nas meias-finais Nuno Gomes colocou Portugal em vantagem sobre França com um grande golo logo aos 19 minutos, para mim era mais do mesmo. Sabia lá quem eram Barthez, Thuram, Blanc, Desailly, Lizarazu, Vieira, Deschamps, Petit, Zidane, Anelka e Henry. O que eu sabia era que Nuno Gomes estava a marcar golos com a mesma facilidade com que ajeitava o cabelo, que Vítor Baía se tinha tornado o primeiro guarda-redes que idolatrei, que Figo era o dono da bola e que Sérgio Conceição tinha conquistado a minha eterna admiração após ter marcado aquele hat trick. Naquela altura, os outros eram mais discretos aos meus olhos, mas para estarem ali era sinal de que eram bons jogadores, como Abel Xavier, a quem a minha mãe chamava de diabo devido a um visual arrojado que misturava pele negra e cabelo loiro.

A seleção então comandada por Humberto Coelho foi para intervalo a vencer, mas logo no início da segunda parte sofreu o empate, através de um remate à meia volta de Thierry Henry (51’), um avançado que mais tarde passei a admirar imenso por ter a fisionomia e a passada larga de um extremo, a classe de um n.º 10 e o killer instinct de um ponta de lança. Para mim, Portugal sofrer um golo era uma novidade, até porque comecei a acompanhar o Euro 2000 a meio do jogo com Inglaterra, numa altura em que a seleção portuguesa perdia por 2-1. Nunca tinha visto em direto Vítor Baía buscar a bola ao fundo das redes.

Portugal - França (Euro 2000)
Até ao final dos 90 minutos, recordo-me de terem existido ocasiões de golos para as duas seleções. Porém, a ausência de mais remates certeiros levou o encontro para um prolongamento especial que se praticava na altura, com a regra do golo de ouro: quem marcava, ganhava. Tão simples como isto.

Não houve golos na primeira parte do prolongamento. E tudo levava a crer que também não ia haver na segunda na meia-final de Bruxelas. No entanto, a polémica rebentou quando já se pensava no desempate por grandes penalidades. Numa jogada de ataque dos franceses, um remate forte de Sylvain Wiltord foi travado pela mão de Abel Xavier. Na altura, a regra de mão na bola era bastante menos rigorosa do que é hoje e por isso os jogadores portugueses alegaram que o toque do defesa com a mão foi involuntário. Hoje em dia era penálti claríssimo, mas em 2000, e perante o clima de frustração de se estar a poucos minutos do fim do prolongamento de um jogo que decidia o acesso à final, deu bastante que falar. Quem não se importou com isso foi Zidane, que bateu Vítor Baía na conversão clássica de uma grande penalidade: bola para um lado, guarda-redes para o outro.

O jornalista do Maisfutebol, Nuno Madureira, sintetizou o sentimento nacional no primeiro parágrafo da sua crónica: “Uma despedida amarga e dolorosa marca o fim da campanha portuguesa neste Euro-2000. Uma despedida marcada pela revolta, um estado de espírito diametralmente oposto ao futebol sorridente e sedutor que Portugal apresentou em todos os outros jogos da competição.”

“Do ponto de vista do espetáculo, as expectativas para este jogo eram altas. Demasiado altas, talvez. Apesar do futebol atrativo e tecnicista que as duas equipas mostraram desde o início da competição, o rótulo meia-final pesou demasiado para que a festa anunciada tivesse lugar. Em seu lugar, surgiu um jogo fechado, intenso até ao limite, e marcado por um rigor tático, que na maior parte do tempo tomou o lugar do talento em estado puro. Mas o futebol também pode ser grandioso dessa forma. E o jogo do Heysel foi de uma grandiosa competitividade”, acrescentou o repórter, que salientou o respeito que ambas as seleções tiveram uma pela outra em termos táticos.


Após esse encontro, Humberto Coelho deixou o comando da seleção nacional e Abel Xavier, Nuno Gomes e Paulo Bento foram suspensos pela UEFA devido a incidentes que se verificaram depois dessa meia-final com a França. De acordo com a entidade que tutela o futebol europeu, “quase todos os jogadores portugueses correram em direção ao árbitro assistente, que foi empurrado e insultado”. “Nuno Gomes deu ao árbitro um violento empurrão no peito e Abel Xavier agarrou-lhe o braço. O árbitro mostrou então o cartão vermelho a Nuno Gomes e Paulo Bento tentou tirar-lhe o cartão, segurando-lhe o braço. Nuno Gomes despiu então a camisola e mandou-a ao árbitro assistente”, referia o comunicado.

No ano seguinte as duas seleções voltaram a defrontar-se, desta vez num jogo de caráter particular em Paris, a 25 de abril de 2001. Se os gauleses já me causavam um nó na garganta devido à meia-final do Euro 2000, ganhei-lhes definitivamente aversão, pois golearam Portugal por 4-0, com remates certeiros de Sylvain Wiltord (16’), Mikaël Silvestre (32’), Thierry Henry (34’) e Youri Djorkaeff (80’).
















E para o caro leitor, qual é o primeiro jogo entre Portugal e França de que tem memória? E quais foram as melhores e mais marcantes jogos de sempre entre as duas seleções?

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