sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Mihajlovic. O conflituoso percurso de vida do novo técnico do Bolonha

Mihajlovic assinou pelo Bolonha até final da temporada
Filho de pai bósnio e mãe croata, o recém-contratado treinador do Bolonha, Sinisa Mihajlovic, nasceu na Croácia a 20 de fevereiro de 1969, junto à fronteira com a Sérvia, crescendo na problemática zona dos Balcãs, região que vivia momentos de tensão que acabaram por originar várias guerras entre 1991 e 2001.

Problemático foi também o rótulo que cedo ganhou enquanto futebolista, devido a confrontos verbais e físicos dentro e fora do campo. Nunca escondeu a amizade próxima que o ligava ao antigo líder paramilitar sérvio Zeljko Raznatovic, também conhecido por Arkan, acusado de crimes de guerra no conflito dos Balcãs. Segundo a imprensa, Mihajlovic terá pagado à imprensa do país para ser publicado um tributo relativo à morte de Arkan, em 2000.


O próprio contou numa entrevista que Slobodan Miloševic – governante da Sérvia durante os anos 90 e também condenado por crimes de guerra - lhe terá dito quando este jogava no Estrela Vermelha: "Siniša, se todos os sérvios fossem como tu, haveria menos problemas nesta terra".



A profissão de Sinisa Mihajlovic acabou por salvar um tio quando rebentou a guerra nos Balcãs, no início da década de 90, e as forças croatas iniciaram uma luta armada pela independência da Jugoslávia. E é neste clima de conflito que o jovem Mihajlovic vê a sua família ser dividida na sequência da destruição da casa onde viviam vários familiares seus junto à fronteira entre a Croácia e a Sérvia. O pai de Mihajlovic, sendo sérvio, acabou por ser capturado pelas forças croatas enquanto que a sua mãe, croata, acabou por ter permissão para ficar em Borovo, um pacato bairro junto ao Danúbio onde viviam cerca de 50 mil pessoas. Já um tio de Mihajlovic, também ele croata, foi detido pela Guarda Voluntária Sérvia, e declarado prisioneiro de guerra. No entanto, quando os elementos da Guarda Voluntária Sérvia revistaram os pertences do tio de Mihajlovic encontraram uma agenda de contactos onde constava o número do jogador do Estrela Vermelha. Contactado pelos militares, Mihajlovic apressou-se a regressar a casa para salvar a vida do tio, confirmando que ambos eram efectivamente familiares.

Desportivamente, deu nas vistas no Estrela Vermelha de Belgrado (1990 a 1992), clube pelo qual se sagrou campeão europeu em 1990/91, numa equipa em que atuavam jogadores como Savicevic, Pancev ou Prosinecki. No jogo da meia-final frente ao Bayern Munique, Mihajlovic foi considerado o melhor jogador em campo depois de apontar os dois golos da equipa de Belgrado no triunfo por 2-1 que permitiu ao Estrela Vermelha apurar-se para a final de Bari contra o Marselha.

Frente aos franceses, a equipa sérvia acabaria por vencer na marcação de grandes penalidades. "Acho que foi a final mais aborrecida da história da Liga dos Campeões. Passámos 120 minutos em campo praticamente sem tocar na bola. Se tivéssemos entrado no jogo com uma mentalidade atacante, provavelmente teríamos perdido, não por o Marselha ser necessariamente melhor do que nós, mas porque aqueles jogadores estavam habituados a jogar grandes jogos e nós tínhamos uma equipa com rapazes de 21, 22, 23 anos", afirmou Mihajlovic numa entrevista à revista France Football sobre a final de 1991.


O antigo central esquerdino rumou depois a Itália, onde passou grande parte da carreira e se notabilizou como especialista em livres diretos, partilhando com Andrea Pirlo o recorde de golos por essa via no campeonato italiano: 28.

Antigo colega de Sérgio Conceição

Mihajlovic entrou no futebol transalpino pela porta da Roma (1992 a 1994), mas foi na rival Lazio que mais brilhou, depois de ter passado quatro anos na Sampdoria (1994 a 1998). Internacional jugoslavo por 63 vezes - preferiu a Jugoslávia à Croácia, seleção pela qual também poderia ter jogado -, ajudou o emblema laziale a conquistar os seus únicos troféus europeus, a Taça das Taças (1998/99) e a Supertaça Europeia (1999), assim como um dos dois títulos nacionais da história do clube, em 1999/00, sob a orientação de Sven-Göran Eriksson e com a companhia de Fernando Couto e Sérgio Conceição no plantel. Agora, o antigo extremo será seu rival na luta pelo título.

Além de conquistas, acumulou polémicas. Em outubro de 2000, num jogo da Liga dos Campeões frente ao Arsenal, terá dirigido insultos racistas a Patrick Vieira, chamando-lhe "preto de m...", que por sua vez lhe terá chamado "cigano de m...". Dois meses depois, foi investigado pela possibilidade de ter violado a lei anti-racista italiana. Mais tarde, em novembro de 2003, foi suspenso por oito jogos pela UEFA por ter cuspido e pontapeado Adrian Mutu, então no Chelsea, novamente em partida da Champions.

Após seis temporadas em Roma (1998 a 2004), acompanhou o treinador Roberto Mancini na ida para o Inter, em 2004, encerrando a carreira de jogador após duas épocas em Milão. Depois de pendurar as botas, virou adjunto do italiano, orientando um plantel que incluía Luís Figo e... Patrick Vieira.


Com a chegada de José Mourinho ao Giuseppe Meazza, em 2008, abandonou o clube e lançou-se a solo. Começou pelo Bolonha, mas foi despedido devido a desentendimentos com jogadores e à falta de bons resultados, deixando a equipa a correr perigo de descida à Serie B.

Na época seguinte em 2009/10, pegou no Catania em último lugar e colocou-a em 13.º lugar no final do campeonato, dando depois o salto para a Fiorentina, de onde saiu ao fim de ano e meio, devido a maus resultados, numa fase em que os adeptos já lhe tinham dirigido insultos racistas através de tarjas. Em Florença, curiosamente, orientou... Adrian Mutu.

Conhecido por impor uma liderança forte, assumiu o cargo de selecionador da Sérvia em 2012 e implementou um código de conduta que teria de ser assinado por todos os jogadores, insistindo que estes cantassem o hino antes dos jogos. Ljajic não cumpriu e foi expulso da seleção. Contudo, Mihajlovic deixou o cargo na mó de baixo, após ter falhado a qualificação para o Mundial 2014 e ter sido acusado de permitir que empresários de futebolistas influíssem nas suas escolhas.

Lançou Donnarumma no AC Milan

Mihajlovic voltou a Itália para conduzir a Sampdoria a duas boas campanhas na Serie A, um trabalho reconhecido pelos dirigentes do AC Milan, que o contrataram. Em San Siro, porém, a sua principal obra foi ter lançado o jovem guarda-redes Gianluigi Donnarumma, então com 16 anos, em outubro de 2015. 

Quando saiu do colosso italiano, foi criticado pela namorada de Kevin-Prince Boateng, Melissa Satta, que disse numa entrevista à Gazzetta dello Sport que a saída do antigo internacional jugoslavo tinha melhorado o ambiente no balneário rossonero. "Não sou sexista, mas penso que as mulheres não deviam falar sobre futebol. Não estão preparadas para falar sobre isso", respondeu Mihajlovic, em declarações que criaram muita polémica.

No verão de 2016, rumou ao Torino. Na primeira época, após ter vencido a Eusébio Cup durante a pré-temporada, levou o emblema grená ao 9.º lugar. Um pouco mais abaixo, na 10.ª posição, estava a equipa quando o sérvio foi despedido, a 4 de janeiro deste ano. Desde então que está desempregado.

Durante a estadia em Turim, adeptos da Lazio fizeram uma fotomontagem em que colocavam Anne Frank, adolescente alemã de origem judaica vítima do Holocausto, com a camisola da Roma. Mihajlovic foi questionado sobre o assunto, mas revelou desconhecimento: "Anne Frank? Não sei quem é. Não leio jornais, não posso falar sobre o assunto. Peço desculpa mas declaro-me ignorante nessa matéria."



Adepto do 4x3x3, tem ficado, em média, pouco mais de um ano em cada clube. Ainda à procura do primeiro título enquanto treinador, era suposto ter em Alvalade a primeira experiência fora da zona de conforto, Itália e Sérvia, mas o então presidente leonino Bruno de Carvalho foi destituído e, Sousa Cintra, que assumiu de forma interina os comandos da SAD, despediu-o poucos dias depois. Agora, regressa ao ativo, mais um vez em solo transalpino, com a missão de tirar o Bolonha da zona de despromoção.










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