sábado, 20 de outubro de 2018

Loures, o clube inspirado no Sporting, à espera de um milagre (que às vezes acontece)

Armando Barreiro, 70 anos, é o presidente do Loures
Este sábado é um dia especial para o Grupo Sportivo de Loures e não se fala de outra coisa nas imediações do Campo José da Silva Faria. Apesar da aparente tranquilidade, todas as conversas vão dar ao jogo grande com o Sporting (20.45), em Alverca, e a contar para a terceira eliminatória da Taça de Portugal. À distância ou num vaivém entre as duas localidades, os dirigentes do emblema que disputa a Série C do Campeonato de Portugal mostram-se atentos ao palco do encontro. Pormenores como a afixação de cartazes alusivos à partida e a divulgação de informações relativas à venda de bilhetes vão sendo ultimados.


Mais focada no futebol propriamente dito, a equipa orientada por André David treinava num relvado natural em Odivelas - em detrimento do seu sintético -, para adaptar-se ao piso e ao efeito da bola quando em contacto com a superfície. Ao DN, após um treino, o jovem treinador de 33 anos - completados nesta segunda-feira - dava conta de uma semana de trabalho normal em termos de planeamento.

Bem diferente foi a semana de Armando Barreiro, 70 anos, presidente do clube, sócio benfiquista há 53 anos mas convicto de que o sorteio não podia ter ditado melhor adversário. "Foi muito bom o Sporting ter calhado ao Loures, porque a maior ligação que as pessoas de Loures têm é ao Sporting. Das pessoas de Loures que vão ao futebol, 80% são sportinguistas. Estamos esperançados neste jogo, porque mexe com as pessoas. E isso é bom, para que as pessoas possam discutir o Loures", afirmou, convicto de que esta semana pode ser decisiva para um boom na interação entre o emblema que dirige e a comunidade local, que tem no guarda-redes Beto - curiosamente ex-Sporting - o principal nome no mundo do futebol: "O Beto é um saloio! É um saloio porreiro. O tio dele tem um restaurante aqui perto e o pai dele e ele frequentavam muito o clube, embora nunca tivesse jogado cá."
Jovem treinador André David quer criar desconforto ao leão

A ligação entre o Loures e sportinguistas não é de agora. É uma história com mais de um século e que teve início precisamente na fundação do clube da zona saloia, que veste de amarelo. "O Loures foi fundado em 1913 por um grupo de indivíduos muito ligados ao Sporting, porque o Sporting também foi fundado em Loures, num palácio, e então ficou Grupo Sportivo - e não Desportivo - de Loures, porque as pessoas identificavam-se com o Sporting", contou o dirigente, em alusão a um piquenique realizado na Quinta do Correio-Mor a 12 de abril de 1906, ponto alto de uma divergência entre os que pretendiam que o Campo Grande Football Club se dedicasse exclusivamente ao desporto e os que queriam incluir atividades como bailes e festas e defendiam a instalação de uma sede na Baixa de Lisboa. Para o dia seguinte foi marcada uma assembleia geral, em que um grupo que ficou conhecido como os dissidentes, entre os quais se encontrava José Alvalade, apresentou a demissão e prometeu fazer outro clube. E o Sporting Clube de Portugal viria a ser fundado a 1 de julho de 1906.

"Às vezes os milagres acontecem..."

Se tudo indica que o Loures obtenha uma grande vitória no campo financeiro e mediático, desportivamente o triunfo é considerado bastante improvável. "O Loures não tem equipa para ganhar ao Sporting... mas às vezes acontecem alguns milagres", soltou Armando Barreiro, empresário no ramo hoteleiro, natural de Paredes de Coura, de onde saiu em 1959.

"Haver uma surpresa desse nível requer uma série de contingências a acontecerem ao mesmo tempo", admite o treinador André David, que tem bem definida a estratégia para explorar os "pontos menos fortes do Sporting" e dificultar a vida a José Peseiro e aos seus jogadores. "No fundo, temos de retirar espaço para o Sporting nos poder criar problemas e, quando tivermos bola, temos de ter capacidade para a guardar, porque as equipas mais fortes não gostam de jogar sem bola e ficam desconfortáveis quando não a têm. Jogar com isso pode ser importante para termos algumas hipóteses para criar perigo e chegarmos a zonas de finalização com alguma qualidade", vaticinou o técnico, que quer "ter o jogo equilibrado e controlado o máximo de tempo possível".
Loures vem de uma derrota caseira ante o Torreense (0-1)

"Sabemos que o Sporting vai querer entrar forte e abrir o jogo cedo, para que tenha algum conforto e crescimento emocional. Se conseguirmos o tal equilíbrio que pretendemos, isso pode trazer desconforto, nervosismo e ansiedade", acrescentou, bem-disposto, o treinador que está há cinco semanas no cargo.

André David confessa que "o impacto mediático é um foco de motivação para os jogadores, por jogarem frente a uma equipa como o Sporting e ter transmissão televisiva" e que, por isso, "não é preciso espicaçá-los muito". "O nosso vice-presidente disse uma coisa engraçada logo a seguir ao sorteio: podem esperar um jogo equilibrado na ambição de vencer. Se eles têm muita ambição de passar à eliminatória seguinte e chegar ao Jamor, nós também temos", aditou, pedindo "capacidade e ousadia" aos seus atletas para não deixarem que "a dificuldade do jogo obrigue a desvirtuar" as ideias de um coletivo que contempla três futebolistas com passagem pela formação leonina: Marcos Dias, Miguel Oliveira e Luís Elói.

O antigo treinador de Tourizense, Oliveira do Hospital, Bragança, Académico de Viseu e Gafanha recorda que já conseguiu eliminar uma equipa de uma divisão superior quando estava em Touriz, na então II Divisão B, e afastou o Santa Clara, da II Liga, em novembro de 2012. No entanto, "as diferenças eram muito menores" do que no jogo deste sábado.

"Alverca? A FPF disse logo: 'Aqui nem pensar. Vão à procura de um campo'"

Campo do Loures sem condições para receber o encontro
Receber o Sporting no Campo José da Silva Faria seria o cenário perfeito, mas a vistoria da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) frustrou esse sonho. "Estes jogos com os grandes são considerados de alto risco. Sendo de alto risco, o estádio tem de ter bancadas para o clube da casa e para o visitante e têm de ter capacidade, no mínimo, para 2500 pessoas para cada lado. Depois, o campo tinha de ter as medidas exigidas, casas de banho separadas, bares separados, dois portões de entrada e condições para a transmissão televisiva, como a questão da iluminação. A FPF disse logo: 'Aqui nem pensar. Vão à procura de um campo.' E nós fomos. Ainda pensámos no Restelo, mas conhecíamos o presidente do Alverca, falámos com ele e ele aceitou", explicou Armando Barreiro, que ainda se recorda do duelo entre os dois clubes em novembro de 1981, também para a Taça de Portugal - única partida oficial da história do Loures diante de um grande.

"Lembro-me bem. Falhámos dois golos feitos pelo Barreto, que era o nosso avançado. Vamos tentar levar ao relvado os jogadores que disputaram esse jogo, para os homenagearmos", assumiu o presidente, em alusão a uma derrota por 0-3 no Estádio José Alvalade ante os leões de Malcolm Allison, que ganharam esse jogo com um bis de Oliveira e um golo de Mário Jorge, referente à antepenúltima temporada em que se sagraram campeões nacionais.

Ainda sem saber se se vai sentar ao lado do homólogo Frederico Varandas, Armando Barreiro pisca o olho à possibilidade de o Sporting mostrar "espírito solidário" e doar a sua parte da receita, o que ajudaria a pagar os "25 mil euros por mês" de orçamento do Loures, que contempla salários entre 250 e 400 euros aos jogadores.

Estádio próprio e II Liga como sonhos

Adepto do Loures faz notara paixão que tem pelo Loures
Os dirigentes do Grupo Sportivo de Loures têm dois sonhos, estando o segundo está dependente do primeiro. Sem qualquer património, pois o campo pertence a uma entidade privada, apesar de o clube não pagar renda, está no ar a possibilidade de construção de um estádio próprio. "Há um investidor que quer vir para aqui e está em negociações para comprar estas instalações e investir comercialmente. Caso esse negócio se concretize, esse investidor vai construir-nos umas instalações desportivas novas, que vão ser colocadas em nome do Grupo Sportivo de Loures, no Infantado, junto ao LoureShopping. É um projeto quase quadripartido, entre investidor, dono do terreno e Câmara Municipal, que nos vai conceder o direito de superfície", revelou o líder do clube saloio, que conta com mais de 500 sócios.

Se esse sonho se concretizar, "é ponto assente" que a promoção à II Liga será atacada. "O investidor diz que os arquitetos dele conseguem construir umas instalações desportivas em seis meses, porque o terreno está lá e só é preciso fazer terraplanagem e colocar as bases. Se isso acontecer, no final de 2019 já estaríamos preparados para jogar naquelas instalações. E aí sim, teríamos todo o interesse em estar na II Liga", vincou Armando Barreiro, satisfeito por ver o clube que dirige a ser alvo de atenção mediática.


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