domingo, 14 de fevereiro de 2016

Leverkusen: A técnica da força e a força da técnica

Kiessling e Chicharito formam uma dupla temível
Quando a sorte ditou que o Sporting iria enfrentar o Leverkusen nos 16 avos de final da Liga Europa, os responsáveis leoninos terão engolido em seco. Afinal, não só sabiam que tinham pela frente uma das equipas mais fortes da competição como uma maldição que dura há 45 anos: nunca os verde e brancos eliminaram uma equipa alemã (em seis tentativas), registando também zero triunfos em solo germânico (em 11 partidas).

Para reforçar o histórico pouco favorável, em quatro confrontos com estes leões da Renânia do Norte-Vestfália, nenhuma vitória e três derrotas para os leões de Lisboa. Contudo, isto pouco contará para o experiente Jorge Jesus, que pelo Benfica até já venceu em Leverkusen e eliminou esta mesma equipa na caminhada até à final da Liga Europa em 2012/13.


Para o técnico sportinguista, contará mais o que o atual 3.º classificado da Bundesliga - já eliminado da Taça da Alemanha e repescado da Liga dos Campeões – fará dentro das quatro linhas.


Caracterização coletiva

O título deste artigo justifica-se pelo casamento entre jogadores tecnicistas e possantes que o treinador Roger Schmidt, 48 anos, promove no onze inicial. Homens como Tah, Toprak, Kramer ou Kiessling representam a técnica da força, enquanto Bellarabi, Kampl, Çalhanoglu ou Javier Hernández fazem valer a força da técnica.

Como qualquer casamento, este também não é perfeito ou 100 por cento feliz. Pode dizer-se que funciona bem melhor na hora de atacar do que na de defender.

Ofensivamente, o Leverkusen é uma equipa que gosta de assumir os jogos, ter a posse de bola e de a circular de forma paciente, por vezes até com alguma falta de objetividade. Embora a equipa se distribua geometricamente em 4x4x2 e tenha esse estilo de posse, os avançados não são muito participativos na construção dos ataques, fixando-se na área, à espera de uma situação de finalização. 

Avançados não participam na construção dos ataques

Durante a manobra ofensiva, é possível ver movimentos como o recuo de Kampl para receber a bola e a transportar para o meio-campo ofensivo ou a incursão de Çalhanoglu da esquerda para o meio com o esférico dominando, com Wendell a aparecer-lhe nas costas.


Wendell a aparecer nas costas de Çalhanoglu, que leva a bola

Quando esse futebol de posse não é possível, as transições tornam-se soluções. Quem tem uma viga como Stefan Kiessling (1,91 m) na frente de ataque, tem que a aproveitar da melhor forma, bombeando bolas diretamente da zona defensiva para a cabeça do avançado alemão, através de um estilo mais vertical mas nem por isso mais vistoso ou eficaz.

Mas o perigo para a baliza de Rui Patrício não vai chegar apenas de bola corrida, bem pelo contrário. O Leverkusen é uma equipa fortíssima em lances de bola parada, com Çalhanoglu sempre a assumir o papel de executante. O médio turco é um dos grandes especialistas do futebol europeu em livres diretos, e é com igual qualidade que coloca a redondinha na área adversária através de livres laterais e cantos. Nestas ocasiões, emergem na área as torres da equipa, todas elas bastante difíceis de bater no jogo aéreo.

Já no plano defensivo, a força dos germânicos diminui. Trata-se de uma equipa algo macia a defender, sem grande pressão ao portador da bola e que passa por calafrios a mais para o gabarito que tem. Embora os defesas sejam lentos e se deem mal com bolas nas costas, as fragilidades que o coletivo apresenta na sua organização defensiva são responsabilidade sobretudo dos homens do meio-campo, que não são suficientemente agressivos.   

Essas fraquezas são também visíveis nas transições defensivas. A equipa não se prepara suficientemente bem para a perda da bola, e quando a perde acaba por estar demasiado exposta atrás, com vários jogadores – sobretudo os laterais – a demorarem a recuperar as posições.

Quanto à forma como defende nas bolas paradas, nomeadamente nos cantos, há um misto de marcações individuais – para tentar condicionar as movimentações dos adversários – e uma defesa à zona, junto à linha da área de baliza.

Marcações mistas nos cantos defensivos


Caracterização individual


O onze-tipo de Roger Schmidt
Embora não tenha ainda somado qualquer internacionalização pela mannschaft, Bernd Leno é um dos mais conceituados guarda-redes da atualidade do futebol alemão. Prima pela segurança, reflexos apurados, qualidade no futebol aéreo e rapidez a sair de entre os postes, para compensar a falta de velocidade da defesa quando lida com bolas nas costas.


À sua frente, atuam dois centrais muito possantes. Jonathan Tah é um jovem de 20 anos (feitos no dia 11), muito possante (1,92 m), praticamente impossível de bater de frente para o jogo e em lutas corpo-a-corpo, mas lento e duro de rins.

Ao seu lado, o capitão Toprak (no clube desde 2011), uma autêntica voz de comando da equipa, que assume o papel de patrão da defesa. Apesar de ter apenas 26 anos, tem um comportamento de veterano. É muito forte no futebol aéreo (1,86 m), agressivo, sempre muito concentrado e bem posicionado, mas à imagem do companheiro de eixo defensivo é algo lento.

O corredor direito da defesa é a posição que tem sofrido mais rotatividade desde a paragem de inverno. Por norma, ou atua o mais ofensivo, irreverente e jovem Jedvaj (20 anos), ou o mais experiente Hilbert (31), não tão vocacionado para atacar, mas que garante mais consistência e equilíbrio.

No flanco oposto, Wendell é o dono e senhor do lugar. Não fosse a concorrência de Marcelo, Filipe Luís, Alex Sandro e Maxwell e seria uma aposta natural para a seleção brasileira. Tem bastante propensão ofensiva, entende-se muito bem com Çalhanoglu na esquerda, mas demora a recuperar das suas subidas pela faixa lateral.

Mais à frente, na zona central do meio-campo, Kramer assume a função de médio mais posicional, embora não seja um trinco puro, atuando praticamente como um n.º 8. É outro elemento muito possante (1,89 m), que utiliza essa mesma estampa física para ganhar bolas divididas. Campeão mundial pela Alemanha em 2014, ficou famoso por ter sofrido uma concussão na final diante da Argentina, na qual até foi titular.


Nas alas, dois dos mais habilidosos jogadores da equipa, a par de Kampl. Na direita, Bellarabi faz emergir a sua velocidade, dinâmica e qualidade de drible, aparecendo também na zona central para criar desequilíbrios. Pode atuar igualmente como n.º 10, e caso Chicharito não esteja apto para os jogos diante do Sporting, deverá mesmo fazer essa posição.

Já na esquerda, Çalhanoglu, conhecido pela excelente execução de livres diretos – o estilo faz lembrar o de Cristiano Ronaldo -, mas que não se esgota nessa tarefa. É um destro (embora jogue bem com os dois pés), e por isso faz muitos movimentos de fora para dentro, contando com o apoio de Wendell para preencher o flanco. É tecnicista, mas pouco veloz.  

Possível onze sem Chicharito
Por fim, no ataque, uma das duplas mais temíveis do futebol europeu: Javier Chicharito Hernández e Stefan Kiessling. O primeiro, internacional mexicano, tem estado a relançar a carreira na Alemanha, depois de vários anos de pouco fulgor no Manchester United, que já está arrependido de o ter vendido ao Leverkusen por €12 milhões – uma pechincha! Ainda estamos em fevereiro, mas CH7 está já a viver a melhor época como profissional, com 22 golos (em 26 encontros). Já tem direito a bandeira do México nas bancadas da BayArena, mas deve mesmo dar o salto para um clube de maior nomeada no final da temporada. É daqueles avançados pelo qual pouco se dá durante os jogos, mas que a qualquer momento pode marcar, não precisando de dispor de muitas oportunidades para o fazer. Está em dúvida para as partidas diante do Sporting - é praticamente certo que falha a 1.ª mão -, devido a uma rotura no glúteo esquerdo.

Quanto a Kiessling, apesar do seu aspeto franzino e desengonçado, é letal no futebol aéreo. Funciona como principal referência para ganhar primeiras bolas em zonas ofensivas, e alia o seu 1,91 m a uma extraordinária capacidade de impulsão para ser um dos elementos mais perigosos da equipa no seguimento de cantos ou livres laterais.

Palavra ainda para o jovem Julian Brandt (19 anos). É um habitual suplente utilizado, mas caso Chicharito esteja indisponível pode mesmo saltar para o onze inicial. É um extremo muito rápido e dinâmico, que tanto pode atuar à direita como à esquerda.

Principais alternativas: Dario Kresic (Guarda-redes), Kyriakos Papadopoulos (Central), André Ramalho (Central/Médio defensivo), Sebastian Boenisch (Lateral esquerdo/Lateral direito), Marlon Frey (Médio defensivo), Lars Bender (Médio defensivo - lesionado no tornozelo), Charles Aránguiz (Médio centro - lesionado no tendão de Aquiles), Admir Mehmedi (Médio ofensivo/Extremo), Vladlen Yurchenko (Médio ofensivo) e Robbie Kruse (Avançado - lesionado num dedo do pé).


Roger Schmidt: Uma ascensão a pulso


Roger Schmidt tem tido uma trajetória ascendente na carreira
Cabelo até ao pescoço, camisola de gola alta e blazer/sobretudo. É este o estilo de Roger Schmidt, um treinador alemão de 48 anos que tem subido a pulso na carreira após um percurso modesto como jogador. Médio de posição, pendurou as botas em 2004, no Delbrucker, para se iniciar como técnico no mesmo clube (2004-2007). Passou ainda pelo Preussen Munster (2007-2010) e Paderborn (2011-2012), também nos escalões secundários germânicos.

Antes de rumar a Leverkusen, em julho de 2014, notabilizou-se no comando dos austríacos do Salzburgo (2012-2014), onde implantou o 4x4x2 – sistema que ainda utiliza -, conquistou a dobradinha e potenciou vários jogadores, com Jonathan Soriano, Sadio Mané, Kevin Kampl e André Ramalho à cabeça. Os dois últimos voltam a acompanhá-lo, agora no emblema da Renânia do Norte-Vestfália.


O histórico que nunca foi campeão nacional

Situada no mais populoso estado da Alemanha, a Renânia do Norte-Vestfália, no oeste germânico, foi na cidade de Leverkusen que trabalhadores da empresa farmacêutica Bayer fundaram em 1904 um clube chamado Bayer 04 Leverkusen Fussball GmbH.

111 anos volvidos, o emblema rubro-negro contabiliza 37 presenças na Bundesliga, todas consecutivas, com 1979/80 a ficar na história como a temporada de estreia no primeiro escalão.    

Desde o final dos anos 1980 que o Leverkusen se tornou num dos mais prestigiados clubes daquele país, tendo conquistado a Taça UEFA em 1987/88 e a Taça da Alemanha em 1992/93, além de ter chegado à final da Liga dos Campeões em 2001/02. Essa temporada de 2001/02 foi mesmo a mais agridoce da história do clube, uma vez que esteve perto de fazer o triplete, mas na hora de todas as decisões acabou por perder Bundesliga, Taça e Champions.

Apesar de ser uma presença assídua na prova milionária, o emblema do oeste germânico tem ainda uma grande mancha no palmarés: nunca foi campeão nacional. O melhor que conseguiu foi cinco segundos lugares (1996/97, 1998/99, 1999/00, 2001/02 e 2010/11).

Em 2014/15, terminou na 4.ª posição, que deu acesso ao play-off da Liga dos Campeões. Eliminou a Lazio e seguiu para a fase de grupos, onde não conseguiu melhor do que um 3.º lugar, atrás de Barcelona e Roma – os romanos terminaram com os mesmos seis pontos mas gozaram de vantagem no confronto direto – e à frente do BATE Borisov. Assim sendo, a turma de Roger Schmidt foi repescada para a Liga Europa, onde vai encontrar os leões.

O aspeto do reduto do Leverkusen, a BayArena
Não será a primeira vez que terá a oposição do Sporting. Já assim tinha sido na fase de grupos da Champions em 1997/98 (4-1 em Lisboa e 2-0 em Leverkusen para os alemães) e em 2000/01 (0-0 fora e 3-2 em casa). Mais afortunados que os verde e brancos foram Benfica (Taça das Taças 1993/94 e Liga Europa 2012/13) e Belenenses (Taça UEFA 1988/89), que conseguiram eliminar os germânicos.

Com a 1.ª mão a jogar-se em Alvalade, esta quinta-feira, tudo deverá decidir-se para a semana, na BayArena. Trata-se de um estádio inaugurado em 1958 e remodelado em 2009, com capacidade para cerca de 30 mil espetadores, registando sempre casa cheia. Os camarotes instalados no topo sul trazem à memória os estádios sul-americanos. Na bancada oposta, a norte, é o local de onde a principal claque do Bayer, a Nordkurve, apoia a equipa.




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